A queda do Zeppelin

PESQUISA E AUTORIA
Por Leandro Miranda
Leo do Blimp

A queda do Zeppelin

Eram 01h50 do dia 17 de janeiro de 1944, quando o dirigível da marinha americana se chocou com a Ilha do Farol, em plena Segunda Guerra Mundial.

Ainda era escuro quando a canoa Liberdade ia chegando próxima ao Maramutá e Narciso observou fogos de artifício saindo do alto da Ilha e uma pessoa com um objeto luminoso na mão, como que parecendo pedir ajuda. O objeto era lanterna (Flash light, para os norte-americanos), logo chamada pelos pescadores que auxiliaram no resgate de “fachilate”, um aportuguesamento da palavra inglesa, no melhor estilo cabista.

Pensando em se tratar de alemães hostis, o mestre da canoa deixou Tio Loro de vigia na ilha e voltou para terra o mais rápido possível para avisar ao destacamento do Exército, que havia caído um “Zeppelin” na ilha. Um sargento foi designado para ir ao Maramutá averiguar a ocorrência, mas nada pode fazer pois também não entendia a língua dos militares estrangeiros. Assustado, fez gestos com a intenção de pedir para o pessoal acidentado esperar que ele iria buscar socorro. Retornou à Praia dos Anjos e seguiu para a Capitania dos Portos, em Cabo Frio, onde fez um breve relato do ocorrido para o responsável, o tenente Francisco. Como o Tenente também não falava uma única palavra em inglês, resolveu procurar alguém na região que soubesse falar alguma língua estrangeira para servir de intérprete, pois o poliglota da região, Francisco Porto de Aguiar, estava viajando.

Antônio Barreto, muito conhecido pelos cabistas como “Sabonete” se voluntariou para servir de “intérprete” dos gringos. O tenente Francisco quis se certificar que realmente o homem falava inglês e foi logo arguindo:
— Você fala inglês?
— Arranho um pouco. Respondeu o jovem.
— Mas não é para arranhar. Sabe ou não sabe?

Sem muita alternativa, lá foi o Tenente Francisco e seu “intérprete” para o local da queda onde se deu o diálogo:

— Ei Johnny, speak inglês?
— Yes! Yes! Respondeu eufórico o gringo.
— A que horas caiu avione em morrone? Perguntou o “intérprete” cabista.

O comandante americano ficou furioso, pois não conseguia entender nada. O Tenente Francisco então voltou a questionar seu “intérprete”:

— Rapaz, você não disse que sabia falar inglês?
— Eu estou falando, mas ele que não me entende!
— Sai daqui, senão te meto em cana!

Enquanto não aparecia alguém que realmente falasse inglês, os próprios pescadores tomaram a frente do regate e ajudaram a descer os dois tripulantes que ficaram feridos na queda, sendo eles H. E. Jones e R. W. Widdicombe, que eram piloto e copilotos do dirigível.

Após o resgate, seguiram para Cabo Frio, onde foi prestado socorro aos feridos e também reportado, via telefone, o acidente para a Base do Galeão. Este fato só foi possível graças à presença da senhora Tony, esposa de Paulo Burle, que por ter sido educada na Europa falava inglês fluentemente e serviu de intérprete.

Os membros da Base do Galeão chegaram em caminhões 4X4 rasgando a restinga e desembarcaram na Praia dos Anjos, montando ali sua base operacional. Recrutaram alguns jovens pescadores com idade próxima a 20 anos, entre eles Ricardo Miranda, Darcy Franco, Betinho Pinheiro, Zé de Cobra, Nelsinho de Mascate, Leonel, Zé de Oscar, Caela, Neném de Catita, Antônio Barreto (Sabonete), Arthur Barreto (Arturzinho), Nicomedes, Carlinho Tataco e Fandongo.

Com o choque, parte do combustível vazou dos tanques, deixando um odor muito forte. Por sorte o mesmo não inflamou, e o que restou nos tanques de combustível foi distribuído entre os trabalhadores, que encheram vasilhas para posteriormente abastecerem as lamparinas de suas casas.

O Maramutá foi usado como base de apoio para embarcar o material do dirigível através de barcos como o Activo, de propriedade de Fernando Barros e Cacareco, que pertencia ao pai de Darinho. Todo material foi levado para o acampamento na Praia dos Anjos que ficava ao lado da fábrica de sardinha Baltic, em frente onde hoje se encontra o Hotel de Transito “A Ressurgência” do IEAPM.

Durante os trabalhos, surgiu um impasse na hora de transportar as bombas, pois ninguém queria transportar o artefato com medo de que elas viessem a detonar, matando todos que ali estavam. Sobre ordens dos militares, as bombas foram amarradas a um pedaço grosso de madeira retirada da própria mata e posicionadas no sentido longitudinal, sendo transportadas nos ombros por quatro pessoas, duas na frente e duas atrás.

Para melhorar a disposição, os pescadores gostavam de beber uma mistura de cachaça com limão, fato que logo despertou a curiosidade dos gringos que quiseram experimentar. Depois do almoço um dos gringos bebeu tanto que pegou no sono e teve seu revólver calibre 38 furtado. Ao acordar e dar falta da arma, uma grande confusão se armou para saber quem havia sido o autor da façanha. Após breve investigação, o pescador foi identificado e teve que devolver a arma, sob risco de responder por crime de guerra e ser preso.

Um fato engraçado ocorreu com Leonel que trouxe para casa uma embalagem com algumas pastilhas, que acreditava ser tempero para comida, e deu para a mãe colocar no feijão. Como a pastilha não estava temperando como o esperado e fazia muita espuma, resolveu mostrar a embalagem ao irmão mais velho, que após examinar o mesmo, falou assim: Se isso aqui fosse veneno, tinha matado vocês. Isso aqui é remédio para o fígado! Foi uma algazarra danada depois que descobriram a verdadeira função das pastilhas.

Vendo que a lona do “Zeppelin” era impermeável, o pescador Nicomedes, da Praia dos Anjos, teve a ideia de pedir um pedaço aos gringos para transformar em roupas de pescaria, que logo foi batizada de “roupa de Aliado”, em referência aos americanos (Aliados) no período de guerra. Além disso, deram forma a toalhas de mesa, tiras para tamancos (calçado muito usado na época), forro para cobrir a espuma dos berços de crianças, cobertura para proteger as redes de pesca e proteção de telhados de palhas das casas que ficavam próximas a linha do trem que trazia sal de Perinas para o Porto do Forno, evitando que as fagulhas da caldeira do trem as incendiassem.

Com o episódio do acidente e o resgate realizado por simples, mas bravos pescadores, Arraial do Cabo deu sua valorosa contribuição no período de guerra.

Leandro Miranda