Antes de tudo
A formação geográfica da cidade de Arraial do Cabo provém do desgaste de seus principais morros, Pontal do Atalaia, Morro do Mirante e Morro do Forno, tendo longa e extensa história geológica. A cidade apresenta rochas metamórficas de embasamento, chamadas pelos geólogos de gnaisses de embasamento, rochas metamórficas que são classificadas de médio a alto grau, o que significa que foram submetidas a temperaturas e pressões elevadas. A cidade de Arraial do Cabo possui gnaisses do embasamento com 2 bilhões de anos.
Esses três principais morros da cidade eram ilhas, que com o passar de milhão de anos foram sofrendo uma erosão natural principalmente provocada pelos ventos, pelas correntes marítimas e movimento das marés, depositando dessa maneira sedimentos entre elas e fazendo sua conexão ao continente, formando um cabo que avança para o mar, o Arraial do Cabo.
A magia do povo sambaqui no Arraial
O povo sambaqui ou sambaquieiros, se caracteriza por um povo pré-histórico que ocupou a costa do estado do Rio de Janeiro por cerca de cinco mil anos, e não só, desde o sul do país estão presentes numa faixa contínua pelo litoral que vai desde o Balneário de Torres no Rio Grande do Sul até Cabo Frio no Rio de Janeiro, mas de acordo com alguns arqueólogos, é provável que ainda subindo o mapa existam mais vestígios do povo sambaqui, porém existem muito poucas pesquisas e estudos nessas demais regiões.
A palavra sambaqui vem do tupi “tamba” que significa concha e “ki” que em tupi significa amontoado. Amontoado de conchas. Os povos sambaquis eram profundos conhecedores da arte da pesca, ungiam conchas e ali formavam um amontoado, onde acrescentavam areia, restos de fogueiras, utensílios e ferramentas, ossos de peixes e também os corpos dos mortos da comunidade, formando assim essas elevações no solo, como se fossem pequenos morros e colinas, e que muitas vezes se confundem com apenas dunas cobertas de vegetação.
Muitos pesquisadores acreditam que o surgimento dessas colinas não foi acidental e que a construção dos sambaquis teve um propósito, estudos ainda são feitos por buscas dessas respostas. Uma das hipóteses é que eles tenham servido como algum tipo de ritual, ou como símbolo de algum tipo de status por esse povo. Segundo algumas pesquisas, por exemplo, alguns indivíduos sambaquieiros recebiam mais ornamentos, como penas, conchas e oferendas o que se sugere algum tipo de prestígio.
A cidade de Arraial do Cabo possui vários sambaquis e muitas das pesquisas na região foram conduzidas e chefiadas pela arqueóloga Maria Cristina Tenório.

Fig. 7. Boqueirão e os sítios. – TENÓRIO, M.C.; AFONSO, M.C.; PINTO, D.C.
Arqueologia do Arraial do Cabo – com foco nos sítios da Ilha do Cabo Frio. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 127-145, 2010.
Em 2006 Maria Cristina Tenório conduziu escavações na Ilha do Farol, onde além dos ossos de peixes, baleias e artefatos estavam dois esqueletos, dos quais um deles era de uma criança, cuja idade inferior a sete anos, um achado de preservação muito raro devido ao tempo de datação do sepultamento, estimado em 3.200 anos. O corpo da menina estava sepultado junto a um adulto, e tinha o rosto virado para o chão.

Estrutura de Cremação – TENÓRIO, M.C.; AFONSO, M.C.; PINTO, D.C. Arqueologia do Arraial do Cabo – com foco nos sítios da Ilha do Cabo Frio. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 127-145, 2010.
Os sambaquis achados na Ilha do Farol, inclusive por pescadores antigos e até turistas, tem sido durante muitos anos símbolos de causos e lendas na cidade de Arraial do Cabo, a memória popular da cidade é permeada por inúmeras histórias de assombrações contadas por eles e por pessoas que durante algum tempo moravam na ilha como os faroleiros do Farol Novo.

Enterramento no sítio do boqueirão – TENÓRIO, M.C.; AFONSO, M.C.; PINTO, D.C. Arqueologia do Arraial do Cabo – com foco nos sítios da Ilha do Cabo Frio. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 127-145, 2010.

Artefatos ósseos encontrados no sítio Condomínio do Atalaia (da esquerda para direita) ponta óssea elaborada a partir de osso de peixe; furador; ponta elaborada a partir de osso de tartaruga; ponta elaborada a partir de esporão de raia. TENÓRIO, M.C.; AFONSO, M.C.; PINTO, D.C. Arqueologia do Arraial do Cabo – com foco nos sítios da Ilha do Cabo Frio. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 127-145, 2010.
Na Ilha do Farol e em outros sítios arqueológicos de Arraial, pesquisas apontam esqueletos cremados nos sambaquis e segundo o arqueólogo Cerqueira Pinto, pesquisas apontam que eles têm datação de 2.000 anos, o que indica que essa cremação seria possivelmente já uma intervenção de um grupo indígena chamado “Je”, que é uma ramificação dos tupi. Ele sugere que esse provável encontro do grupo “Je” e do povo sambaqui acabou com o passar do tempo gerando uma “miscigenação” e descaracterizando a cultura original sambaqui. Quando a expedição colonizadora de Américo Vespúcio chegou na Praia dos Anjos em 1503, o povo sambaqui já não existia mais e sim a ocupação indígena.
Os índios Tupinambás e a chegada de Américo Vespúcio no Arraial
No Estado do Rio de Janeiro existia uma predominância de tribos Tupinambás e em Arraial e na Região dos Lagos, eram representados por sua vertente chamados índios Tamoios, viviam em aldeias, confeccionavam adornos, caçavam, plantavam e faziam peças em cerâmicas. O etnômio “tamoio” vem de “ta’mõi”, que, em língua tupi significa “avós”, referência aos “mais antigos” dessa vertente Tupinambá.
Os antropólogos Beatriz Perrone-Moysés e Renato Sztutman sustentam que o termo “tamoio” não fazia referência a um povo indígena homogêneo, mas sim a um “coletivo de líderes” de diferentes tribos que constituíram uma aliança entre si. De acordo com alguns estudos, havia cerca de 50 aldeias Tupinambás na região, estimando-se que poderia variar de 25 a 75 mil habitantes antes das invasões européias.
À época da possível chegada de Américo Vespúcio em 1503 na Praia dos Anjos (nomeada na época de Praia da Rama), eram os então Tamoios que habitavam o Arraial do Cabo, e sob o comando de João Braga, vinte e quatro homens foram designados para guardar o local, pois a costa do Brasil nessa época estava sendo disputada e ameaçada de invasão pelos corsários franceses. Sendo assim até onde se sabe foi erguida em 1.506 uma pequena casa de barro e coberta de palha, onde seria para guardar a imagem de Nossa Senhora dos Remédios que traziam consigo e que posteriormente daria lugar à edificação da Igreja Nossa Senhora dos Remédios. Arraial do Cabo abrigou a primeira missa rezada em ambiente coberto no Brasil. O historiador e pesquisador Carlos Cunha escreve em seu livro “Arraial do Cabo – Sua História”, a respeito da escolha do lugar de aportagem:
“Dada a geografia do Cabo Frio (Arraial do Cabo), navegantes e visitantes que aqui estiveram por terra, tendo a visão da península, constataram como propícia para a aportagem por conta das elevações que a protegem do mar alto e de suas enseadas de mar brando, servindo como bom ancoradouro. Isso é relatado por Monsenhor Pizarro em “Memória Histórica do Rio de Janeiro”, II,179, citando a carta geográfica do Sr. Freycinet, e por Augusto de Saint-Hilaire em “Viagens Pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil”, páginas de 335 à 344, em que descreve as boas condições da terra cabista como região propícia para bom ancoradouro de embarcações”.
Toda a região de Arraial do Cabo, e outros lugares que outrora foram distritos da hoje cidade de Cabo Frio eram reconhecidos por esse nome, “tudo era Cabo Frio”. O nome foi dado em referência às águas geladas das correntes marítimas vindas da região das Malvinas, fenômeno chamado Ressurgência. E o nome “Cabo” porque geograficamente Arraial é um cabo que avança para o mar, formando então esse nome: “Cabo Frio”.
Nessa mesma viagem, a expedição teria desembarcado na cidade 12 peças de bombardas, as quais deram origem a uma fortaleza situada entre a Praia do Forno e o Cais do Porto da cidade, consta que seu primeiro nome oficial foi Fortaleza da Ponta de São Sebastião, e que o povo chamaria primeiramente de Ponta da Fortaleza e depois Forte do Sururú. O escritor Wilnes Martins Pereira em seu livro “Américo Vespúcio, O navegante que descobriu o Arraial do Cabo”, cita a carta que Vespúcio escreveu a D. Manuel I, em 1.504, cujo trecho selecionado aqui:
“(…) Esperamos bem dois meses e quatro dias, e vendo que nada resolvíamos, decidimos a minha conserva e eu correr a costa e navegamos mais para diante de 360 léguas, até chegarmos a um porto onde acordamos construir uma fortaleza, o que fizemos. Nela deixamos 24 cristãos que vinham na minha conserva, que os recolhera do navio capitânea naufragado. Permanecemos neste porto bem cinco meses construindo a fortaleza e carregando os nossos navios com pau-brasil (…)”
Em Arraial do Cabo, os canhões da Fortaleza do Sururú não existem mais, foram retirados por prováveis interesses particulares e levados para locais indeterminados, alguns antigos moradores da cidade afirmam que conheceram esses canhões. Existem ainda ruínas dessa fortaleza, e acreditam-se que boa parte dela devido ao passar do tempo e do crescimento da vegetação esteja enterrada. Ainda de acordo com o historiador Carlos Cunha, ela pode ter sido parcialmente destruída na época da colonização, numa possível revolta em que os índios teriam incendiado e destruído a então feitoria em Arraial em retaliação à escravidão, abusos e massacres dos colonos portugueses ao seu povo.
O historiador cita o livro de Abel Beranger – “Dados Históricos de Cabo Frio”, em que o autor transcreve um trecho do isolário de Afonso de Santa Cruz, em que pressupõe essa revolta indígena:
“Junto à esta baía, foi onde Américo Vespúcio, o maior navegador de Castela, na sua última viagem que fez construiu uma casa, onde deixou vinte e quatro cristãos com suas armas e munições de artilharias, abastecidos para seis meses com todas coisas necessárias, aos quais os índios mataram pelo seu desdém e parcialidades. ”

Fotografia de um dos canhões da Ponta da Fortaleza – Acervo Reinaldo Fialho
Antes de retornar a Portugal, Américo Vespúcio teria ficado nas terras cabistas por cerca de cinco meses, para construir a fortaleza, conhecer o território, fazer abrigos para a tripulação e abarcar as riquezas da terra como o pau-brasil em seu retorno para a Europa. O primeiro poço que deu água aos novos habitantes, foi chamado posteriormente de Poço do Sobral, apesar de desativado, o poço ainda existe no marco histórico na Praia dos Anjos em Arraial do Cabo.

Fotografia do Poço do Sobral na Praia dos Anjos em Arraial do Cabo
Segundo relatos do historiador e pesquisador Reinaldo Fialho a primeira edificação chamada de Casa da Piedra construída também nessa época para abrigar Américo Vespúcio estaria localizada na Praia dos Anjos, próximo à Igreja Nossa Senhora dos Remédios, exatamente onde é hoje uma pousada chamada Capitão da Areia. Essa edificação não existe mais. Segundo ele, próximo ao local, também na Praia dos Anjos, existe uma outra casa bem antiga denominada Casa da Piedra que foi durante bom tempo do empresário industrial e colecionador de arte Raymundo Ottoni de Castro Maia.
Reinaldo Fialho cita ainda que dentro da Casa de Piedra de Castro Maia, estava um dos canhões da antiga Fortaleza, levado para lá pelo empresário. Segundo consta, ele mandou levar grande tambores vazios para o Forte do Sururú, e na tentativa de retirá-los um deles por acidente, devido ao seu grande peso, caiu dentro d’água. Castro Maia mandou amarrar um outro e conseguiu levar para a residência.
Nos escritos de Reinaldo Fialho, constam que para conseguir posicionar o canhão “mandou cavar um grande e fundo valão, nos fundos de sua casa, com vista para praia e para o Porto do Forno. Após fazer o alicerce, ele mandou fazer a varanda, com um muro baixo, e colocou o canhão apontando para o porto. Quando cavavam para a construção do muro, apareceram algumas correntes e ferragens. Damião Teixeira perguntou então ao Dr. Raymundo o que eram aquelas coisas. Dr. Raymundo disse que aquele local era onde se prendiam os escravos africanos e índios”
Em relação à Casa da Piedra, o pesquisador atenta para a questão de que essa embora também antiga, não é a Casa de Piedra mais antiga da cidade.

Casa da Piedra do antigo dono Castro Maia
Segundo relatos, e inclusive do próprio historiador, que chegou a conhecer as possíveis ruínas originais da edificação de Américo Vespúcio, essa mais antiga era toda feita em pedra bruta – “Eu, Reinaldo Fialho, conheci esta casa em 1.940, com uma parte para os fundos já em ruínas. Tenho uma foto antiga da citada casa, que era tão velha que tinha uma árvore de uns dois metros que nasceu em cima do telhado. Essa casa quando eu conheci em criança já estava desativada. Quando eu tinha 18 anos só tinha as paredes da frente. As paredes tinham uma grossura de uns trinta e cinco centímetros, e toda de pedra. A Casa de Piedra de Américo Vespúcio tinha mais ou menos vinte metros de comprimento, o terreno tinha aproximadamente trinta metros, começando na Rua Santa Cruz e indo até a Praia da Rama. ” (Praia dos Anjos)

Fotografias das ruínas segundo o pesquisador Reinaldo Fialho da primeira Casa da Piedra de Américo Vespúcio – Acervo Reinaldo Fialho
Depois de um primeiro encontro amistoso entre os portugueses e os índios Tamoios que habitavam a cidade, a insatisfação dos índios perante o genocídio, diversos tipos de abusos e explorações portuguesas (como já citado anteriormente), culminaram numa revolta, conhecida como a Confederação dos Tamoios, entre 1554 e 1567. Nessa revolta os Tamoios se aliaram aos franceses, que lhes forneciam diversos tipos de armamentos para combater a exploração portuguesa, inclusive colocando fogo nas feitorias, e em troca os índios lhes forneciam o corte das madeiras do pau brasil e o transporte até as embarcações francesas.
Dentre conflitos e desentendimentos e grande extermínio indígena, com o passar do tempo os portugueses e índios começaram a conviver no mesmo território, os colonizadores foram aprendendo a viver nessa nova terra, combinando suas vivências e novos conhecimentos com os índios.
“Aprenderam novas técnicas e ao mesmo tempo introduziram instrumentos e materiais à cultura local. Com o passar dos anos a população descendente principalmente de portugueses, devido ao isolamento geográfico e econômico, foi obrigada a produzir seus objetos de uso doméstico, exercendo assim atividade profissional como artesãos. Este isolamento permaneceu durante muitos anos por Arraial do Cabo ser, praticamente, um cabo de terra, com poucas ligações de estradas, sendo o porto a principal via de ligação (Prado 2002). A economia local era baseada na pesca que inclui, além da lida no mar, a confecção de cestos de bambus e cipós e redes. Prado (2002) informou que destes artefatos, atualmente aparecem apenas redes pequenas, tarrafas ou pequenos cestos. Ainda hoje, entretanto, sejam nas práticas usuais, seja na memória do pescador cabista, há registros que apontam para a combinação de saberes indígena e europeu.”
Prado, S. M. 2002. Da anchova ao salário mínimo: uma etnografia sobre injunções de mudança social em Arraial do Cabo, RJ. Eduff, Niterói.
É importante ressaltar que não existe um consenso entre os historiadores a respeito do local de chegada de Américo Vespúcio em 1503, e da instalação de uma feitoria, embora pelos indícios, a maioria deles e algumas instituições afirmem que esse local foi no Arraial do Cabo. Alguns historiadores afirmam que foi na Praia dos Anjos, outros que foi na Ilha do Farol, e uns defendem que foi na Barra do Itajurú na atual cidade de Cabo Frio. Seria de extrema relevância histórica que fossem financiados e elaborados estudos arqueológicos e pesquisas aprofundadas para que se pudesse afirmar com convicção sua chegada nas terras cabistas e a implantação dessa feitoria, assim como a recuperação e preservação dos nossos marcos históricos como a Fortaleza do Sururú.
Os corsários em terras cabistas
Desde a ocupação da cidade pelos portugueses, e o início do povoamento, Arraial do Cabo sempre recebia a visita de piratas exploradores do “novo mundo”. Os corsários vinham em busca de riquezas, principalmente no início, do pau-brasil, durante bom tempo uma matéria prima valiosa. Dele se extraía um pigmento avermelhado chamado brazilina, que para época era extremamente raro e luxuoso material para tingimento de tecidos na Europa.
O povoado muitas vezes se amedrontava com os saques e roubos, escondendo seus pertences mais valiosos e alimentos. Os corsários que viviam pelos mares precisavam se alimentar, alguns sofriam de saúde precária pelas condições de navegação da época e muitas vezes encontravam nesses povoados o que precisavam, saqueavam as casas, roubavam as vendas, carregavam ovos, galinhas e outros tipos de criações.
O pesquisador e historiador Reinaldo Fialho revela que muitas vezes os saqueadores também faziam escambos, trocavam os saques que faziam em outras regiões ou outras embarcações aqui, por louças, tecidos e pequenas jóias, em troca de alimento. Ele atenta para o fato que algumas famílias antigas da cidade tinham louça chinesa, xícaras, bules chineses, numa época em que o povoado cabista era muito isolado de qualquer tipo de transporte e de qualquer tipo de acesso a esse tipo de mercadorias estrangeiras, e que esses pertences seriam herança das famílias cabistas aos escambos feitos com os corsários em épocas remotas.
No livro “Arraial do Cabo, Sua História”, o historiador Carlos Cunha escreve sobre a relevância marcante do corsário César Fournier no litoral do “Cabo Frio”. O corsário, de nacionalidade italiana e experiente navegador esteve à serviço do governo argentino, sendo um de seus mais importantes soldados. Já com larga experiência em pirataria começou a saquear as embarcações nas costas de Cabo Frio. Cunha revela que há relatos de uma comunidade pesqueira em Armação dos Búzios aterrorizada pelos saques e incêndios em seus casebres de choupanas feito pelos piratas de Fournier e cita ainda o historiador Elísio Gomes que em seu livro “Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio”, que o pirata em setembro de 1.827 atacou vários barcos de cabotagem, cujas embarcações faziam transporte de alimentos das fazendas da região e que essas mercadorias eram levadas por ele para a Argentina e para os portos cisplatinos.
Após tantos saques feitos por Fournier e devido as constantes reclamações dos navegantes da época, Dom Pedro I ordenou que fosse feita uma caça ao corsário. As embarcações do império, Dona Paula, Paraguaçu e Quinze de Agosto foram colocadas em seu encalço. O comboio conseguiu achar no mar a embarcação Congresso, chefiada por Fournier. De noite nos mares de Arraial, já com pouca visibilidade, houveram falhas na tática de ataque, e num movimento preciso a embarcação Congresso se desvencilhou de seu algoz. A fragata Dona Paula, imponente embarcação da coroa, repleta de canhões, artilharia e tripulação numerosa, não teve destreza suficiente para garantir uma manobra que evitasse a colisão com a Ilha do Francês em Arraial do Cabo, vindo a naufragar.
Os poveiros no Arraial
“Quando eu Reinaldo Fialho, era criança aprendi que estes poveiros navegantes, frequentavam aquelas tabernas na Europa, bebendo vinhos, com suas roupas grotescas, que eram admiradas por aqueles que não conheciam seu significado. A sua camisa era azul marinho de um tipo como usada pela Marinha do Brasil, tipo de lã, que enfiada pela cabeça não tinha botões. Eram pesadas, porque na camisa remendavam pedaços de todo tipo de panos de 10, 15 cm. Um em cima do outro, sem distinção de cor. Eram verdes, vermelhos, amarelos, preto, azul, branco e outras cores. Vinham muitos desses poveiros no Arraial do Cabo por volta de 1940”.
Reinaldo Fialho – Poveiros, História do Arraial – Acervo de Família Reinaldo Martins Fialho

Azulejaria da Póvoa de Varzim
Os chamados poveiros eram pescadores navegantes lusitanos, que por volta do fim do século XIX e início do XX, começaram a busca de novos mares férteis em pesca, pois nessa época uma grande crise pesqueira assolou a costa de Portugal, e sobretudo a região de Póvoa de Varzim. Eram navegantes experientes, devido à grande tradição portuguesa nos desbravamentos marítimos e conhecimentos do alto mar. Muitos desses chamados poveiros vieram para o Brasil e também para o Arraial do Cabo. De acordo com o escritor Carlos Cunha, os poveiros trouxeram para a cidade muitas referências da cultura portuguesa que refletem na cultura cabista até hoje.

Azulejaria da Póvoa de Varzim
A forte religiosidade católica, procissões e oferendas de agradecimento para a Padroeira da cidade Nossa Senhora dos Remédios, a tradição das rendas de bilros, os ensinamentos pesqueiros em mares mais abertos, vários tipos de danças, o folclore dos reis de boi, os versos em trovas dos poetas cabistas, a tradição das festas juninas e julinas na cidade. A cultura da salga de peixe, segundo o autor, mesmo já sendo tradição na cidade foi reforçada pelos poveiros naturais da região da Póvoa do Varzim em Portugal, lugar que também fazia este tipo de salga.

Imigrantes Pescadores Póvoa do Varzim – http://osaldahistoria.blogs.sapo.pt
No litoral brasileiro, no final do século XIX, muitos desses poveiros que para cá vieram em busca de sobrevivência e de mares mais férteis, não tinham a intenção de fixar moradia aqui, assim que a crise na pesca tivesse seu fim, almejavam voltar à Portugal. Nessa época o governo brasileiro havia decretado exigências enérgicas para a permanência dos poveiros aqui: até 1920 precisariam se naturalizar cidadãos brasileiros, teriam que naturalizar suas embarcações, e a tripulação das mesmas teriam que ser compostas por no mínimo dois terços de brasileiros. Muitos, revoltados com essas exigências resolveram deixar o país, outros por aqui ficaram.
No Arraial, os poveiros foram se fixando na cidade, constituindo famílias e incorporando suas tradições sociais e culturais no povoado. Muitos também se fixaram no Rio de Janeiro como em outras partes do Brasil, e visitavam a cidade de Arraial do Cabo em decorrência dos trabalhos no mar.

Imigrantes Póvoa do Varzim – http://osaldahistoria.blogs.sapo.pt
Nas palavras de Dona Clementina, antiga moradora da cidade, durante as filmagens do longa Xaréu – Memórias do Arraial de 2012, ela conta que muitas vezes vendia no porto “muitas galinhadas e ovarias, para aqueles poveiros que iam no Arraial”. Reinaldo Fialho em seus escritos também enfatiza:
“Muitos eram pescadores que moravam no Rio de Janeiro, e vinham pescar no mar novo, e compravam o rancho para alimentação no mar, na venda do meu avô Joaquim Martins Fialho (o velho). Quando eles chegavam, deixavam as moças alvoroçadas para namorá-las. Era engraçado ver suas roupas coloridas com os pedaços de panos pregados na camisa. Os cabistas ficavam surpresos com aquele costume de todos, e perguntavam porque tantos remendos sem necessidades. Eles diziam que assim eram tratadas para amenizar o frio do oceano”.
O Farol velho e o Farol Novo
Em 1.836 a mando de Dom. Pedro II foi construído no Arraial do Cabo o Farol Velho, para isso foi escolhido o ponto mais alto da Ilha do Farol e também da Região dos Lagos.
Os mares de Arraial eram palco de muitos naufrágios e acidentes marítimos, possivelmente segundo o historiador Carlos Cunha pelas névoas provocadas pelo choque das temperaturas geladas vindas pelas correntes marítimas pelo fenômeno da Ressurgência. Esse fenômeno acontece em poucas partes do mundo e no caso da região de Arraial se dá pelas correntes geladas vindas das Malvinas que vem por baixo do mar, próximo ao bentos marinho. Quando essas correntes chegam nos arredores da costa da cidade de Arraial, elas emergem, trazendo consigo e fazendo turbilhonar grandes quantidades de zooplânctons e fitoplânctons, base alimentícia da cadeia alimentar da vida marinha, gerando para Arraial dessa maneira grande diversidade de espécies e fartura de peixes.
A construção do Farol Velho utilizou à época, mão de obra escrava e ajuda de animais para subir com materiais para a sua construção, um movimento muito árduo e penoso devido aos 400 metros de subida íngreme até o ponto mais alto da ilha escolhido para sua construção.

Farol Velho – Arraial do Cabo RJ
O projeto foi feito pelo engenheiro Luís Henrique de Niemayer, conhecido como Major Bellegard, construindo ali a torre do farol, um reservatório de para captação de águas das chuvas, uma senzala e a casa do faroleiro. Sendo o ponto escolhido para construção arremetido de pouca visibilidade devido às nuvens que ali constantemente se formam, o Farol Velho não cumpria com sua função. À época de sua construção Carlos Cunha chama à atenção em sua obra, citando o escritor Wilnes Pereira, de que os nativos de Arraial conhecendo bem a região sabiam que aquele não era o melhor lugar para a edificação do farol:
“Wilnes Martins Pereira cita, no livro “Arraial do Cabo, seus contos e seus encantos”, que não foi por falta de aviso que o farol não teve seu funcionamento de forma adequada. Ele conta que um grupo de operários e o responsável pela obra ao desembarcarem na Praia dos Anjos, vindos do Rio de Janeiro, encontraram um pescador nativo. Assustado com tal movimentação de gente estranha, ele perguntou ao responsável pelo grupo:
– O que é que vocês vieram fazer aqui?
– Nós viemos construir um farol naquele ponto mais alto da ilha – disse o encarregado.
– Não vai dar certo não, moço! – retruca o nativo
– Mas porquê? – questiona o encarregado
– Por causa da neve! – respondeu o nativo
– Que neve, meu senhor? – torna a questionar o encarregado
– A neve que passa por cima da ilha.
O nativo referia-se às nuvens que permanentemente percorrem toda a extensão da ilha. Neve seria, certamente, em sua fala, uma corruptela da palavra “névoa”. O aviso foi dado, não aceitaram, e daí todo o trabalho foi perdido”.
Carlos Cunha – “Arraial do Cabo – sua história” pg 89 e 90

Farol Novo – Arraial do Cabo RJ
Com os problemas apresentados pelo Farol Velho, foi necessário construir um outro, numa altitude mais baixa e mais bem posicionado para suas funções, o Farol Novo foi construído no ano de 1861.
O cemitério e a visita de Conde D’eu e da Princesa Isabel
Ao dia 24 de abril de 1847 Dom Pedro II e a Imperatriz Tereza Cristina juntamente com sua comitiva visitaram a cidade de Cabo Frio, essa viagem tinha o intuito de estreitar relações dentro do estado e dessa maneira estimular a economia em relação á produção e ao comércio. No dia 25 de abril após visitar o forte da cidade e acompanhado do presidente interino da câmara de vereadores dentre outros da comitiva, ele dirigiu-se à Arraial do Cabo. Visitou os distritos, as salinas antigas, as praias e também a Igreja Nossa Senhora dos Remédios. Durante sua visita, além de sua comitiva, os cabistas também acompanharam sua ilustre presença, e dentre eles um dos cidadãos de Arraial em nome do povo pediu que Dom Pedro II lhes doasse um cemitério, pois as pessoas que morriam aquela época eram enterradas em lugares indeterminados. Algumas eram enterradas ao redor da Igreja Nossa Senhora dos Remédios que tinha o solo argiloso e outras em outros lugares da cidade.
Dom Pedro II partiu com sua comitiva, voltou ao Rio de Janeiro, passaram muitos anos, precisamente vinte e um anos, e a promessa do cemitério não havia sido cumprida.
O pesquisador e historiador Reinaldo Fialho relata que quando criança com aproximadamente 10 anos, conhecia um morador antigo de Arraial já bem velhinho, seu José Santos, que havia nascido por volta de1860 e era morador da rua Rui Barbosa. Ele relata nos seus arquivos certa ocasião em que seu José Santos lhe contou a seguinte passagem:
“Uma certa ocasião, estava eu Reinaldo Martins Fialho, com 10 anos de idade, passando no quintal de sua casa, e parei vendo ele arrumar alguns peixes. O senhor José dos Santos era avô emprestado de Ademar Victorino Barreto, que foi criado por um de seus filhos. Nós éramos crianças e seu José nos contava que ele era ainda um menino com oito anos de idade, quando estava na Praia dos Anjos e viu chegar um grande veleiro na enseada dos Anjos.
Pelo costume das pessoas esconderem-se quando chegava um navio no porto, que costumavam maltratar as pessoas e até raptarem, ele correu para casa.
Do navio veleiro, saltaram muitas pessoas. Era uma comitiva. Havia uma guarda de honra, todos fardados, outras pessoas bem vestidas e algumas pessoas negras que provavelmente devido á época, deveriam ser escravos.
Ele ouviu alguns comentários de pescadores de que quem estava chegando eram pessoas da Corte Real do Rio de Janeiro.
Mais tarde um pouco, o cortejo se deslocava pelas ruas na direção oeste do Arraial do Cabo.”
Acervo Reinaldo Martins Fialho
A passagem que o historiador relata sobre as palavras de seu José dos Santos era a visita real da Princesa Isabel e do Cond’eu em Arraial do Cabo no ano de 1868.
A princesa regente e seu marido visitaram o povoado e realizaram o pedido da construção de um cemitério, feito pelos moradores a seu pai Dom Pedro II na época de sua visita.

Princesa Isabel e Conde D’eu
Em Arraial existia uma rixa muito grande entre os moradores da Praia Grande e da Praia dos Anjos, muitas vezes essa rixa causava brigas e desentendimentos entre os bairristas, por isso a escolha para o local onde seria feito o cemitério encontrou alguns percalços.
Alguns lugares pensados pela princesa e seu marido eram distantes, e em outros os moradores se queixavam de estar mais próximo da Praia dos Anjos ou da Praia Grande. Ao final foi escolhido um terreno na rua Dom Pedro II, um local seco e que estava numa posição favorável entre os dois bairros, evitando o descontentamento de um bairro ou de outro. Nesse terreno havia um casebre, a casa de dona Maria Rita e sua filha Floripa. Sabendo da extrema necessidade da construção de um cemitério no povoado a família aceitou ceder o terreno e em troca lhe deram uma casa na Praia dos Anjos próxima a Igreja Nossa Senhora dos Remédios.

Cemitério Princesa Isabel – Arraial do Cabo
A princesa e Cond’eu mandaram capinar o terreno a fim de começar a preparação para a construção do cemitério. Apaziguados com a escolha do local mas ainda não satisfeitos por completo, porque a rixa era realmente tão grande, que um grupo de rapazes da Praia Grande pediu à eles que fosse feito um muro que dividisse o cemitério. Um lado para a Praia dos Anjos e outro lado para a Praia Grande. Segundo consta, esste pedido fez a princesa e Cond’eu darem gargalhadas, e resolveram o impasse simulando uma linha imaginária onde do lado direito do cemitério seriam enterrados os moradores da Praia dos Anjos e do lado esquerdo os da Praia Grande.
Ainda nesta visita ao povoado foram na Fazenda dos Miranda e visitaram Igreja Nossa Senhora dos Remédios, deixando uma quantia para ajudar a igreja e para a construção do cemitério.

Igreja Nossa Senhora dos Remédios
Durante a visita à Fazenda dos Miranda, a Princesa Isabel, já cansada se apoiou numa pedra, situada nos limites da fazenda para o lado do canto da Praia do Pontal. Esta pedra ficou conhecida no Arraial como Pedra de Isabel. Durante a construção da Vila Industrial da Álcalis ela foi dinamitada provavelmente porque desconheciam a história da pedra para a cidade. Muitos pescadores diziam que o local onde havia a pedra era mal-assombrado.
Salinas, o Porto e o Trem que levava o sal de Perynas
A Lagoa de Araruama é de extrema relevância no nosso território, não só por ser a maior sistema lagunar hipersalino em estado permanente da Terra (cerca de 220 km²) mas também pela raridade do ecossistema em que ocorre. Banha os municípios de Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo. A existência da Lagoa representa uma parte relativamente recente da história da Terra, correspondente aos registros de avanços e recuos do nível relativo do mar nos últimos 120 mil anos. Em linhas gerais, as variações do nível do mar, fizeram com que a Lagoa, que a milhares de anos, foi uma enseada, fosse depositando e represando ali sedimentos para a formação da Restinga da Massambaba. O cordão arenoso formado, que separa a Lagoa do mar se divide em várias lagunas formando “curvas” como a Lagoa Vermelha, Pitanguinha, Pernambuca, Brejo do Espinho, dentre outras.
A hipersalinidade da Lagoa está associada ao fenômeno da ressurgência. O fenômeno é causado por uma corrente fria, a Corrente das Malvinas, que vem pelo fundo do oceano migrando até alcançar a Ilha do Cabo Frio, ou Ilha do Farol, em Arraial do Cabo. O sopro dos ventos de direção NE e as águas quentes nas partes mais rasas do oceano são empurradas e essa água fria da Corrente das Malvinas sobe à superfície. Esses fatores desfavorecem o sistema de evaporação e dessa maneira a formação de nuvens de chuva.
Os ventos da região também dispersam possíveis nuvens que ali não encontram barreiras de montanhas para provocar a precipitação. Esse ciclo gera um clima semiárido, com poucas chuvas, não acontece o abastecimento de rios e córregos, e evita que o sistema de água doce chegue na Lagoa de Araruama. O sol e também os fortes ventos favorecem a evaporação da água, tornando sua concentração de sal elevada. Toda essa dinâmica especial determina a hipersalinização da Lagoa, e toda essa peculiaridade fez com que através dos tempos os povoados se fixassem próximos à ela para fazerem a produção do sal, deixando as paisagens em seu entorno cheias de salinas e cata-ventos que auxiliam no processo de evaporação e a consequente produção.
No livro “Salinas – Os modos de viver de um povo” o escritor Álvaro L. Dutra cita o pesquisador Guttorm Hanssen, e revela que a extração do sal já era feita pelos índios Goytacazes pelo sistema de cacimbas: “Consistia o processo em cavar perto da praia um fosso no qual, com a maré bem alta, o mar penetrava. Na vazante ali ficava uma poça de água salgada. Antes que penetrasse nova maré, a água, uma salmoura grossa já em vias de se coalhar era carregada para cacimbas mais afastadas do mar, ou seja, da laguna, fora do alcance da preamar, onde determinava o processo de cristalização.”
Com o passar do tempo e de nossa história o sal teve significativo papel socioeconômico, principalmente em torno da Lagoa de Araruama. Nesse decorrer, o sal foi motivo de muitas críticas e insatisfações do povo com império que muitas vezes proibia a produção artesanal de sal no Brasil, se beneficiando do monopólio do sal, vendendo a preços exorbitantes no mercado brasileiro da época. Após muitas pressões e uma crise do sistema colonial-mercantilista e por consequência da falta desse insumo o Império resolve incentivar a produção do sal nacional.
As águas hipersalinas da Lagoa de Araruama, que “viram cristal” determinou o primeiro avante socioeconômico da região e junto com ele muitas companhias enriqueceram. O sal que era então produzido de forma artesanal pelos povoados muitas vezes com proibições, em 1829 passou por uma modernização de produção. O alemão Luís Linderberg obteve direitos sobre boa parte das terras circundantes da Lagoa pelo império, para fazer a exploração do sal e construiu a Salina Grande, em Perynas, Cabo Frio, que foi a primeira grande empresa produtora de sal no país. Nessa época o sal era escoado por pequenas embarcações à vela, que adentravam a lagoa até o Canal do Itajurú em Cabo Frio, de lá era colocadas em embarcações maiores e seguia rumo ao Rio de Janeiro.
Depois da morte de Lindenberg, a Salinas Perynas foi vendida em 1891 para ao Banco Comércio e Indústria do Brasil e depois transferida para o empresário José Caetano Jalles Cabral. Após vinte anos este vendeu a Companhia Perynas para seu genro, Miguel Couto que depois passaria a administração para seu filho Miguel Couto Filho. Em 1928, e sob a dinamização da produção do sal de Perynas, o escoamento passou a ser feito pelo pontão do Cabo (atual Porto do Forno) através de uma linha férrea que vinha da Companhia.

Porto (Pontão do Cabo) em operação com o sal que era trazido de Perinas – Anos 30
Uma embarcação sucateada de nome Andrada foi trazida para o Arraial servindo de primeiro momento como depósito de sal. O navio Andrada posteriormente foi colocado ao fundo para servir de base para a construção do Porto do Forno.

Inauguração Porto (Pontão do Cabo), com Miguel Couto – e Navio Andrada
O trem à vapor constava de três vagões e cortava a cidade pela estrada antiga, passava pelo centro próximo ao cemitério até atingir o porto. Os moradores na cidade à época se queixavam desse novo transporte presente na cidade, pois quando o trem passava, o que acontecia algumas vezes na semana, soltava fagulhas e incendiavam as casas, a maioria feita de barro e sapê.

Porto com linha férrea e vagões do Trem de Perinas e Navio Andrada
Muitos moradores esperavam a chegada do trem na frente de suas casas com latas de água, para apagar o possível incêndio que ele poderia provocar e que provocou em várias moradias. Mais tarde com a chegada da Indústria Nacional de Álcalis o trem foi desativado.
O Telégrafo
A telegrafia foi inventada pelo americano Samuel Finley Breese Morse e consistiu para o século XIX numa grande e importante inovação do sistema de comunicação para a época. No ano de 1835 ele construiu seu primeiro protótipo de telégrafo, cujas pesquisas se estenderam até 1837, e em meados de 1838 conseguiu fazer um código eficaz de comunicação através da telegrafia, o chamado código Morse. Ele consiste num sistema de representação de letras, algarismos e sinais de pontuação através de um sinal codificado enviado de modo intermitente, basicamente feito por pontos, traços e espaços.

Código Morse – Arquivo Acervo Reinaldo Fialho e modelo de telégrafo
Nos anos de 1850, o Brasil em busca de modernidade encontrou nesse período um auge de desenvolvimento buscando acompanhar a marcha do progresso com a implantação de estradas de ferro, de iluminação a gás e do telégrafo elétrico. Dom Pedro II, que era um entusiasta das inovações tecnológicas, vislumbrou nesse novo advento, a possibilidade de a telegrafia ultramarina aproximar o Brasil da Europa, gerando relações estreitas sobre questões políticas e econômicas.
Ao longo de vinte anos, o Império estendeu quilômetros de linhas telegráficas que faziam a ligação em 182 estações. Através dos telégrafos e deu seus vigorosos laços de fios, interligou o país e o litoral de um extremo ao outro.
A estação telegráfica ligando o Rio de Janeiro a Cabo Frio foi feita em 1864, e logo posteriormente foram implantadas no Arraial do Cabo duas estações, uma no Morro do Pontal do Atalaia e outra no Farol Velho, que nessa época já havia sido desativado. As duas estações eram interligadas, os fios do telégrafo do Pontal do Atalaia atravessavam o Boqueirão e iam até a estação implantada no Farol Velho, fazendo dessa maneira a comunicação com as embarcações que navegavam pela costa.

Desenho Telégrafo Ilha do Farol e Semáforos – Acervo Reinaldo Fialho
O telégrafo do Farol Velho utilizava o sistema do código Morse e sistema de semáfaros, com auxílio de uma luneta para verificação, as bandeiras com seus respectivos códigos ficavam em um mastro e faziam a sinalização marítima.

Desenho Semáforo Ilha do Farol – Acervo Reinaldo Fialho
As estações de telégrafo em Arraial do Cabo foram de grande relevância para a colaboração junto aos serviços marítimos de comunicação entre as embarcações e o continente e vice-versa, prestando um grande trabalho de salvaguarda.
Devido a extrema altitude do Farol Velho, motivo pelo qual ele já havia sido desativado de suas funções originais, a implantação do telégrafo em seu topo sofreu das mesmas consequências. Devido a altitude, muitas vezes o semáforo ela encoberto por nuvens e por mal tempo, por isso a estação telegráfica foi extinta de lá, sendo levada para Ponta Negra na cidade de Maricá, no Estado do Rio de Janeiro. Permaneceu apenas o telégrafo do Pontal do Atalaia, cujo morro antigamente, também era chamado pelo povo de Morro do Telégrafo.
O historiador Reinaldo Fialho em suas pesquisas apurou que a primeira telegrafista a trabalhar na Estação de Telégrafo do Pontal do Atalaia foi a senhora Julia Barreto, casada com o senhor Aprígio, também da família dos Barreto. Depois o senhor Venâncio Teixeira de Mello assumiu, e trabalhou também seu filho Venâncio Teixeira de Mello Júnior, e depois passou para o outro filho, Fernando Mello. Ainda segundo o historiador, o senhor Firmo, era o estafeta, todos os dias via o resultado do jogo do bicho e que ao chegar o resultado descia o morro gritando “deu borboleta, deu macaco, ou outro bicho qualquer”. Quando chegava qualquer telegrama, e se o estafeta senhor Firmo já tivesse descido, era içada uma bandeira branca, e se alguém estivesse esperando alguma comunicação, ou alguém interessado em saber, subia o morro para pegar.

Ruínas do Telégrafo – Arraial do Cabo – Acervo Reinaldo Fialho
Mais tarde o telégrafo do Pontal do Atalaia foi desativado. Em 1946 quando o pesquisador Reinaldo Fialho ia buscar lenhas com seu pai no Morro do Pontal relata que a edificação já se encontrava em ruínas.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, o uso do código Morse atualmente se tornou obsoleto, porém ainda é utilizado em algumas finalidades específicas, como rádio faróis, e por CW (continuous wave – onda contínua), operadores de radioamadorismo.
Taiyo – a Fábrica da Baleia
Esse texto-resumo foi baseado na dissertação de mestrado de Luiz Fernando Melo Brettas – “Do Mar á mesa: A pesca e a alimentação em Arraial do Cabo entre as décadas de 1930 e 1960” – FGV
Com a pesca artesanal sendo predominante fonte econômica em Arraial do Cabo por séculos, em 1960 a cidade e seus pescadores passou a dividir os mares com a pesca das baleias. A pesca até então artesanal, tarefa de profunda sensibilidade entre os pescadores e a natureza passou a conviver com novas e grandes embarcações a motor e equipamentos modernos de pesca, como o sonar. A “fábrica da baleia”, se chamava Taiyo, indústria de pesca e beneficiamento da baleia de origem japonesa e que se instalou na ponta direita da Praia dos Anjos. Atualmente, onde hoje existia as instalações da fábrica, está localizado o Instituto de Pesquisas da Marinha, no bairro chamado Baleia em referência à indústria que ali se fixou.

Fábrica da Taiyo – Fotografia Dissertação de Mestrado de Luiz Fernando de Melo Brettas / FGV – Grupo Facebook: Antigos do Cabo
A construção da Taiyo Fishery Company Limited começou em 13 de fevereiro de 1960, e em 6 de julho do mesmo ano iniciou suas atividades. Os historiadores Willian Edmundson e Ian Hart, autores do livro “A História da caça as baleias no Brasil – De peixe real a iguaria japonesa”, apontam alguns fatores para a escolha da cidade para instalação da Taiyo. O primeiro seria pela existência na primeira metade do século XVIII, de uma armação baleeira localizada na Ponta dos Búzios (hoje município de Armação dos Búzios), o que pressupões que existe um “estoque de baleias” ao longo da costa da região, e também de Arraial do Cabo. Outro fator seria a comodidade da cidade estar próxima dos grandes centros urbanos, Rio de Janeiro e São Paulo, e por fim, uma das motivações foi a grande quantidade de imigrantes japoneses vivendo no país. Para a empresa, a comunidade imigrante japonesa e seus descendentes daria a garantia de um relevante mercado consumidor para a carne de baleia que ela iria “fabricar”.
Ainda segundo os autores, a frota da Taiyo era composta de quatro navios utilizados durante seu funcionamento, um navio de transporte de carne, dois baleeiros principais e um baleeiro reserva. Uma das exigências da Divisão de Caça e Pesca do Departamento Nacional de Produção Animal do Ministério da Agricultura do Rio de Janeiro, era de que os processos a serem empregados na caça da baleia deveriam ser os mais modernos, foi como a Taiyo cumpriu o acordo, com uma frota nova e moderna.
Batizado de Kosei Maru, era o navio para o transporte da carne com capacidade para 80 toneladas líquidas. Os dois navios de caça eram o Seki Maru e o Fumi Maru, ambos de motores potentes, possuíam também um “canhão-arpão” automático em suas proas, permitindo o arremesso de um arpão de 18 quilos com explosivos que alcançava 60 metros de distância. O baleeiro reserva era o Fumi Maru.
Com a fábrica em funcionamento a Taiyo fez grande publicidade afim de atrair o mercado consumidor brasileiro, se aproveitando do interesse da mídia pela distinta fábrica de produção de carne de baleia, que não era um tipo de carne comum de se consumir no país. Veiculou propagandas em diversos jornais de grande circulação na época, rádio e publicidades televisivas, muitas dessas propagandas eram acompanhadas de receitas com ingrediente principal sendo a carne da baleia.
Edmundson e Hart citam que havia três qualidades de carne de baleia: akaniku, oniku e sunoko. A primeira era retirada das costas da baleia e era semelhante à carne de boi; a segunda era retirada da cauda e, além de um alto teor de gordura, tinha um sabor semelhante ao da carne de porco, porém, sem o risco de parasitas, e a última era uma carne gelatinosa que era retirada do papo da baleia.
Na tese de Luiz Fernando Melo Brettas, e cita Dona Odeína, uma antiga moradora e salgadeira da cidade, falando sobre a carne da baleia, que confirma essa diferenciação:
“A baleia tem três tipos de carne: tem a carne fresca, tem a carne de peixe e tem a carne com gosto de carne de porco. Então tinha uma carne que eles não davam e botavam fora porque aquela não podia comer. Só davam as duas, a carne fresca e a carne que tinha gosto de carne de porco. Eles davam para gente. Para mulher, criança, homem. A gente vinha com… A gente fazia um saco com as toalhas e botava a carne ali dentro, amarrava e levava pra casa. Aí a gente comia carne!”
Desde a instalação da Taiyo, havia certa harmonia entre a indústria e os pescadores da pesca artesanal, pois os navios baleeiros iam para alto mar com seus navios capturar as baleias, enquanto a pesca artesanal é realizada próximo às praias. Com o passar de pouco tempo os pescadores da cidade começaram a sentir-se prejudicados pela indústria.
Em 1962 a Taiyo, com a autorização da Divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura instalou uma rede de 15 metros de profundidade e 300 metros de extensão, na ponta da Ilha do Farol, o que provocou uma grande escassez na pesca artesanal praticada pelos pescadores.
O autor Fernando Melo em sua dissertação, cita o professor Eraldo Lopes a respeito dessa passagem: “para garantir o “monopólio” da pesca, a empresa mantinha dezenas de guardas armados para impedir um novo ataque à rede, que fora instalada no mês de janeiro e destruída pelos pescadores no mês de março de 1962, e posteriormente recolocada pela Taiyo. Segundo pesquisas, esses guardas pertenciam à CNA.”
Com o acirramento da revolta dos pescadores, que estavam dispostos a enfrentar os guardas e tirar a rede a força, o presidente da colônia de pescadores e dono de muitas canoas na época, Antônio Teixeira, juntamente com pescadores contrataram um advogado para tentar por meios judiciais resolver a questão.
Em abril daquele mesmo ano a Taiyo tirou a rede, pressionada pelo governador na época Celso Peçanha, que se mostrou solidário à situação do povo de Arraial, exigindo que a fábrica retirasse a rede.
Consta que em dezembro de 1963 os trabalhadores da fábrica reivindicaram um aumento de 100% nos seus salários, um dos fatores para a seu fechamento, juntamente com a longa distância até o local de captura, que aumentava a chance de deterioração da carne e o aumento das despesas em decorrência da redução do número de baleias abatidas no ano anterior.
A pesca da baleia no Brasil foi proibida em 1986.
A Álcalis
A Indústria Nacional de Álcalis trouxe para Arraial do Cabo grandes mudanças sociais, culturais e econômicas, fazendo dela um marco na história da cidade.
Ela começou sua construção em 1943, durante o governo do então presidente Getúlio Vargas, o Estado Novo, e juntamente com Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Fábrica Nacional de Motores foi criada com objetivos de impulsionar a industrialização no país, as famosas implantações das indústrias de base.
Para sua construção, Arraial, que até então era distrito de Cabo Frio recebeu milhares de trabalhadores provenientes de várias regiões do país, sobretudo da região Norte e Nordeste, recebeu muitos maquinários pesados além da projeção de grande logística operacional. Topógrafos foram enviados para a região para o estudo do solo, caminhos foram abertos, ruas foram feitas, e o porto também contribuiu para a chegada de navios que traziam as peças e o maquinário para sua construção. Ainda dentro desse contexto afim de fazer uma ligação mais direta com seu quarto distrito (Arraial do Cabo), a cidade de Cabo Frio mandou fazer uma estrada passando pela restinga indo de Cabro Frio até Arraial, a estrada que se tem hoje. Outra grande modificação que a indústria impulsionou no Arraial foi a instalação do sistema de luz elétrica que o povoado até então não tinha.

Construção da Indústria Nacional de Álcalis
Foram realmente diversas mudanças trazidas pela indústria ao Arraial, e num primeiro momento os moradores se assustaram, pois, Arraial era uma pequena vila de pescadores, a única fonte de economia era a pesca artesanal, por conseguinte a salga de peixes, e o povoado que geograficamente se situa num cabo que avança para o mar estava acostumado a viver relativamente afastado.
Foi inclusive nessa época, que o Museu Nacional, sob a direção de Dona Heloísa Alberto Torres começou a chefiar um grande trabalho de pesquisa antropológica no Arraial do Cabo. Este projeto compreendeu de 1952 a 1957, e seu objetivo era de registrar o modo de viver e toda conjuntura social econômica e cultural do povoado, sob o presságio que a chegada dessa grande indústria iria afetar sua tradição e seus costumes.
Atualmente muitos registros fotográficos que sem tem da cidade nessa época foram feitos pelos antropólogos do projeto, em sua maioria de Luís Castro Faria. Ao longo dos anos da pesquisa em Arraial estiveram vários antropólogos dentre alguns deles, Luiz Fernando Fontenelle, Eraldo Lopes, Geraldo Markan, Antônio Cid Moreira. A maioria dos antropólogos que participaram do projeto ficaram amigos da comunidade cabista e dos pescadores. Infelizmente todos arquivos da pesquisa antropológica chefiada e coordenada em Arraial do Cabo por Heloísa Alberto Torres foram perdidos no incêndio do Museu Nacional em 2018, restando apenas a pesquisa do antropólogo Luiz Fernando Fontenelle nos departamentos da Fiocruz no Rio de Janeiro.
A Álcalis produzia a barrilha, que por sua vez é uma mistura do calcário (conchas) e do sal, que passando por diversos procedimentos industriais, químicos e físicos faz dela seu produto final. A barrilha é um produto base para muitos outros tipos de indústrias, ela entra na fabricação de tecidos, vidro, pasta de dente, materiais de limpeza, remédios, dentre outros.
O governo sondou e pesquisou vários locais a fim de determinar qual seria o mais adequado à construção da indústria. Arraial do Cabo finalmente foi escolhido devido a diversos fatores, dentre os quais: as conchas calcárias abundantes presentes na Lagoa de Araruama, o sistema de salinas e produção de sal já presente na região devido à hipersalinização da água da lagoa (o sal posteriormente precisou também ser trazido do nordeste para suprir a demanda), as águas frias da Praia Grande para o resfriamento das máquinas, proximidade com o porto da Praia dos Anjos, e proximidade de uma fonte de água doce que era a Lagoa de Juturnaíba.
A fixação da indústria na cidade gerou controvérsias dentro da comunidade ambiental e ainda causa discussões até hoje. A sua implantação causou um grande impacto no sensível bioma da restinga, houveram desmatamentos e foi necessário fazer um canal artificial onde as barcaças carregadas das conchas pudesse trafegar até o pátio industrial da empresa. Esse canal hoje recebe efluentes da estação de tratamento de esgoto, e sua água é completamente poluída.
É apontado também o rejeito de produtos químicos não aproveitados pela empresa jogados no canto da Prainha e também um resíduo proveniente do processo Solvay, proveniente da queima das conchas, um pó fino de coloração acinzentada, que ao longo do funcionamento da fábrica foi eliminado em diversos locais pela restinga de Massambaba, suspeitando-se a possível contaminação do lençol freático. As casuarinas também não são árvores nativas do bioma de Arraial, é uma árvore nativa da Austrália trazida para funcionar como quebra vento para as salinas da Álcalis.
Nos moldes para a época, cujo lema era desenvolvimento e crescimento a qualquer custo onde não existia nenhuma premissa de cuidado ambiental, apenas esgotar e saturar os bens naturais, a construção da empresa não teve acompanhamento nesse sentido, nem mesmo em tentativa de minimizar ao menos os impactos ali gerados.
A construção da Álcalis durou muito tempo, praticamente quase dez anos, a construção foi iniciada no governo de Getúlio Vargas e acabou no Governo de Juscelino Kubitchek. A tecnologia para usada na construção e no beneficiamento da barrilha veio da França, por isso alguns funcionários engenheiros da fábrica eram franceses. Durante toda sua construção e durante o impulsionamento da produção a indústria sofreu muita pressão e tentativas de boicote do mercado industrial americano, que visava negociar a barrinha produzida nos EUA com Brasil. Contornando muitas pressões o governo se manteve firme e conseguiu efetivar a produção da fábrica dentro do mercado industrial brasileiro. Durante todos anos de funcionamento a Álcalis precisou driblar as pressões externas, sobretudo dos Estados Unidos, para dominar o mercado da venda da barrilha no país.
Na década de 90, durante o governo Fernando Collor e o processo de desestatização, a Companhia Nacional de Álcalis foi vendida, provavelmente numa manobra política, e sua negociação foi feita em troca de ações desvalorizadas, assim como outras estatais que também foram colocadas á venda essa época.
Ela então passou a ser administrada pelo Grupo Fragoso Pires, foi quando depois de um tempo a empresa começou a passar por problemas financeiros, principalmente pelo fim do protecionismo do governo brasileiro à barrilha vinda de fora do país, sobretudo no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Muitos antigos trabalhadores da fábrica se queixam também que o grupo apenas “sugava” a empresa, sem fazer nenhum tipo de manutenção.
O Grupo Fragoso Pires por meio de decisão da justiça brasileira e de maneira amigável, pois não tinham nenhum interesse em mantê-la passou os ativos e passivos da empresa, ou seja, o fluxo monetário, tanto de rendimento e benefício quanto de gastos e despesas, para a chamada Nova Álcalis em 2004. A Nova Álcalis era formada pela a associação de trabalhadores da empresa. Durante ainda dois anos a associação tentou manter o funcionamento, fabricando a barrilha sob encomenda para outras indústrias, porém a empresa já estava quebrada, sendo muito difícil mantê-la com esses ganhos. Os dirigentes da Nova Álcalis (funcionários de alta patente na empresa) devido à essa péssima situação financeira ordenaram que as caldeiras fossem desligadas. Alguns trabalhadores não concordavam com essa atitude, mas acabaram por acatar a determinação.

Barcaça para carregamento de conchas da Lagoa de Araruama para a empresa
As caldeiras foram desligadas para sempre. Com um maquinário sem manutenção e sem investimento, uma indústria de grande porte que era, uma vez desligadas as máquinas por determinado tempo, seria também difícil fazer com que voltassem a funcionar novamente.

Barcaças abandonadas devido ao fechamento da indústria
A Álcalis, a gigante que alavancou a economia da cidade e levou o Arraial do Cabo a soprar seu caminho rumo à modernidade, fechou suas portas totalmente em 2006, deixando muitos trabalhadores desempregados e ainda buscando na justiça seus direitos trabalhistas por meio de indenizações.
A Emancipação
Durante muito tempo, a região que compreende Cabo Frio, Arraial do Cabo, Búzios, Tamoios, toda essa região era denominada de Cabo Frio.
No ano de 1678, foi criado por alvará oficial, o distrito de Cabo Frio. Em resolução administrativa de 1891 foi criado o distrito de Araçá e anexado a esse munícipio.
Em 1924 foram criados os distritos de Arraial e Saco Fora. Em 1938 o Distrito de Saco Fora foi renomeado de Armação dos Búzios, e o Distrito de Araçá de Campos Novos, que mais tarde foi renomeado de Tamoios. Tinha-se, portanto, segundo o último decreto, Cabo Frio a cidade – o primeiro distrito; Armação de Búzios o segundo distrito; Tamoios o terceiro distrito; e Arraial do Cabo sendo o quarto distrito.
Em 13 de maio de 1985, a cidade de Arraial do Cabo foi emancipada, a cidade Armação dos Búzios foi elevado à categoria de município em 1995 e Tamoios ainda hoje permanece distrito da cidade de Cabo Frio.
A emancipação do Arraial do Cabo foi durante muito tempo almejada por seus moradores, o povo sentia falta de melhores condições de vida bem como um governo mais enfático e mais próximo que pudesse garantir acesso mais digno à cidadania.
A partir do final da década de 50, a Indústria Nacional de Álcalis já havia se fixado na cidade e começado seu funcionamento, a sua implantação trouxe grande mudança para o povoado de Arraial, alavancando a economia e trazendo modernidades que até então Arraial não possuía, como o sistema de luz elétrica.
O povo de Arraial que já se sentia preterido, sendo quarto distrito de Cabo Frio, e carente de obras públicas e tantas outras necessidades se tornou ainda mais insatisfeito quando a Indústria Nacional de Álcalis tinha seus impostos pagos em Cabo Frio. Consta que nessa época aproximadamente 60% da renda bruta da cidade de Cabo Frio provinha dessa receita, somando-se ainda o IPTU pago pelos moradores do então distrito Arraial. O povo cabista sentia insatisfação crescente pois não via a receita paga pela Álcalis ser revertida em benefícios para o distrito.
É interessante salientar que em 1967, foi eleito prefeito em Cabo Frio o senhor Hemes Barcellos, pelo então partido MDB. Uma curiosidade é que o senhor Hermes Barcellos era um cidadão cabista, foi o primeiro e único cabista eleito até então prefeito desta cidade. Durante seu mandato sofreu grande pressão da câmara de vereadores que não lhe era favorável na aprovação dos seus projetos de gestão, principalmente por ter projetos direcionados ao então distrito de Arraial do Cabo.
Durante o mandato de Hermes Barcellos na prefeitura de Cabo Frio, foi construído em Arraial o Estádio Municipal Hermenegildo Barcellos (com nome de seu pai), a Rodoviária Fernando Barros, o calçamento de diversas ruas, projetos de arborização, prédio para subprefeitura (onde atualmente é a prefeitura da cidade), e o início do Centro Cultural Manoel Camargo. Dentre outros políticos, o senhor Hermes Barcellos teve contribuição significativa e valorosa no processo de emancipação da cidade de Arraial do Cabo sendo considerado por muitos, seu maior idealizador.
Depois de algumas frustradas tentativas anteriores de emancipação, em 31 de março de 1985, quando Arraial então possuía número suficiente de habitantes necessários exigidos pelo governo para se emancipar, através de grande empenho dos moradores e da comissão emancipadora onde destacam-se:
Walter Soares Cardoso, Abiud Alves de Andrade, Reinaldo Martins Fialho, Paulo Correa Franco, Walter Teixeira dos Santos, José Moreira de Mello, Luís Jose de Carvalho, Otto da Costa Macedo e Joanita Duarte de Mello, Theodorico Coelho de Oliveira, Marcelo Wanderson Moreira de Mello, Antônio Vasconcelos, Mariano Braga, José de Freitas, Juarez Felix Cardoso, Jamir Felix de Andrade, João Carlos Ramalho, Abiron Theonilo, Joaquim Filho de Carvalho, Oziel do Amaral, Joaquim Felix Penha; foi realizado um plebiscito com a população para decidir a respeito da emancipação política e administrativa do distrito.
Dentre os 6758 eleitores apurados, 158 votaram contra, 21 votos foram em branco e 6546 eleitores votaram a favor da emancipação. Em 13 de maio de 1985 foi assinada a emancipação da cidade pelo então governador Leonel de Moura Brizola.

O Governador Leonel de Moura Brizola ao centro – Dia da cerimônia de Emancipação de Arraial do Cabo – 1985
Ainda no ano de 1985 houveram eleições, a disputa eleitoral foi travada entre o senhor Hermes Barcellos e Renato Vianna. Os dois queriam se candidatar à prefeito, porém, pertenciam ao partido do PMDB (antes MDB), então em vista desse impasse, o senhor Hermes Barcellos resolveu abandonar o partido e filiou-se ao PDT.
O primeiro Prefeito de Arraial do Cabo eleito pelo povo foi o político Renato Vianna. No processo eleitoral dessa primeira apuração para decidir o primeiro prefeito da cidade houveram acusações de que o candidato vencedor não havia ganhado as eleições de maneira honrada, houveram suspeitas de fraudes, foram feitos questionamentos e pedidos para a anulação da eleição, mas estes não foram aceitos.
Na eleição seguinte, de 1989, o senhor Hermes Barcellos assumiu a prefeitura da cidade, mas em virtude de seu falecimento não terminou o mandato, sendo assumido pelo seu vice Francisco Luís Sobrinho. No ano de 1993 quem assumiu a governança foi o médico David Dutra e em 1997 novamente Renato Vianna. Do ano de 2001 a 2008 foi eleito e reeleito prefeito o senhor Henrique Sérgio Melman, e de 2009 a 2016 também eleito e reeleito Wanderson Cardoso de Brito, mais conhecido com “Andinho”. Em 2017 foi eleito Renato Martins Vianna (filho do ex-prefeito Renato Vianna), e atualmente o prefeito da cidade é Marcelo Magno do partido Solidariedade.