Xaréu Memórias do Arraial

Sinopse

O documentário resgata e problematiza, cerca de cinquenta anos depois, a temática do curta-metragem “Arraial do Cabo”, realizado por Paulo César Saraceni e Mário Carneiro. No curta, filmado em 1959, os diretores abordam o embate entre tradição e modernidade nesta pequena vila de pescadores, a pesca artesanal, única fonte de renda da população local na época, em contraponto à chegada da Indústria Nacional de Álcalis. 

Xaréu – Memórias do Arraial reencontra pescadores antigos e traça paralelos entre passado e presente, tradição e modernidade, como era pesca artesanal antigamente, as mudanças sociais e econômicas trazidas pela chegada da indústria e a situação da pesca artesanal hoje.

O filme provoca questionamentos e faz refletir o que é progresso, além de transitar entre os mais belos sentimentos do ser humano marcados pelo tempo: a amizade e a saudade.

 

Ficha Técnica

Ano de realização 2012 Direção: Patrícia Ramos Pinto Primeira Assistente de Direção: Manuela Curttis Segundo Assistente de Direcão: Ravi Arrabal Direção de Fotografia: John Costa Monteiro Assistente de Fotografia: Luciano Dayrell Som Direto: Caio Miranda Montagem: Lívia Ramos Pinto Finalização: Lívia Ramos Pinto e Tauana Carlier Edição de Som e Mixagem: Bernardo Uzeda Trilha Sonora original: Maurício Teixeira Trilha adicional: Bilinho Teixeira e Estevão Teixeira Produção Executiva: Patrícia Ramos Pinto Direção de Produção: Manuela Curtiss Design visual: André Mantelli Produtora: UFF – Universidade Federal Fluminense e Mr. Robinson Filmes

 

Xaréu – Memórias do Arraial

Por Patrícia Ramos Pinto

Arraial

O tempo passa tão feroz como areias dessa cidade linda que ele leva. 

Uma preciosidade contar essa história e como me apaixonei por ela.  A idéia do filme surgiu de uma conversa com meu pai, e se não fosse ele, dificilmente essa história seria contada, ou pelo menos não dessa maneira. 

Minha família e eu moramos em Arraial muitos anos, onde vivi toda a infância, numa relação muito próxima com o mar. Meu pai tinha uma gravação antiga do filme “Arraial do Cabo“ e era sempre muito incrível quando ele colocava a fita VHS para a gente assistir. Era sempre um momento especial, que acontecia de vez em quando. Aquele filme preto e branco retratando a pesca em imagens tão lindas cuja beleza se via também na transparência daquelas águas. 

Nessa época o filme se traduzia para mim apenas em imagens e me fazia pensar como aquela cidade tinha mudado, tentando identificar todos aqueles lugares ali retratados, suas ruas, suas praias. 

Já bem mais velha na faculdade de cinema pude rever o filme e refletir sobre ele de uma outra maneira. Todas aquelas mudanças não estavam restritas apenas na ocupação urbana da cidade, mas também numa grande mudança sócio econômica que ela passou por  todo esse tempo. O curta-metragem dirigido pelos cineastas Paulo César Saraceni e Mário Carneiro  é sobre uma Arraial de 1959, uma pequena vila de pescadores, uma tradição linda de pesca artesanal, uma vila que não tinha luz, onde a água era buscada nas cacimbas por seus moradores. O filme revela toda a humildade dessa vila  sendo invadida pela construção de uma grande indústria, a Companhia Nacional de Álcalis.  O velho e o novo, a tradição e a modernidade.  Um grande impacto para aquele lugar. A construção de uma grande indústria numa vila primitiva de pescadores, da noite para o dia. 

Em meados dos anos 2000 essa grande indústria que fabricava a barrilha veio a fechar suas portas. A gigante que alavancou a economia da cidade e mudou o modo de viver daquele então povoado estava dando adeus, e esse foi o mote para a realização desse filme. Não vou me adentrar muito porque o interessante é assistir ao filme Xaréu, ele que conta essa história permeado das imagens de arquivo do filme de 1959, e de muitos entrevistados surpreendentes. 

Com o projeto de realizar o “Xaréu” na cabeça, precisava conhecer os diretores do filme de 1959, afinal meu filme seria uma releitura do filme deles, um filme sobre um filme. Inicialmente pude conhecer um de seus diretores, Mário Carneiro, o que foi um prazer inenarrável. O CCBB do Rio de Janeiro estava fazendo uma mostra em homenagem à ele, grande fotógrafo do cinema brasileiro, gravurista, pintor, uma pessoa realmente muito talentosa, de uma sensibilidade magnífica. Vi na abertura da exposição uma oportunidade de conhecê-lo, e falar-lhe sobre minha idéia de fazer um novo Arraial, cinquenta anos depois retomando a temática do filme que eles haviam feito. 

Aquela noite foi uma das noites mais incríveis e felizes da minha vida. Mário Carneiro tinha ficado bastante interessado com a idéia e marcamos de nos encontrar novamente. Foram dois encontros, e infelizmente depois de um tempo ele veio a falecer. Infelizmente isso não permitiu que fosse um dos ilustres personagens das filmagens do “Xaréu”, mas agradeço muito por ter podido conhecer ele, conversar com ele, escutar um pouco de sua sabedoria, e dessa maneira, ele foi realmente essencial para o processo de pesquisa do filme. 

Uma vez escutei a seguinte frase, cujo autor desconheço, “a arte é cinco por cento respiração e noventa e cinco por cento transpiração”. E por conseguinte foi exatamente assim que ocorreu. Uma idéia na cabeça, uma câmera na mão e muita transpiração. Uma transpiração coletiva de esforço, de amizade, de doação de toda a equipe maravilhosa que comigo fizeram esse filme. Não tenho palavras para agradecer o quanto fui e sou grata a toda essa pequena grande equipe.  Sou muito agradecida também à muitos amigos e familiares queridos que deram tanto apoio para esse filme acontecer. 

Foram quase trinta dias de filmagem, mais de vinte horas de material bruto, envolvimento e paixão por cada minuto dessas filmagens, o que gerou um difícil processo de edição porque se tornou extremamente difícil desapegar de alguns personagens. Infelizmente não cabia tudo no filme, muitas histórias e pessoas lindas, surpreendentes e incríveis ainda estão aqui apenas na minha cabeça, e acho muito que na da equipe também que pôde compartilhar delas.  Considero muito que a edição desse filme foi realmente por isso a parte mais difícil dele, e a mais demorada também, como era de se prever.

Durante todo o processo, personagens e pessoas queridas foram partindo. Assim como Mário Carneiro e Jaci Goulart (Seu Perereca), que na pesquisa era um personagem do filme, acabei por perder também meu pai. Infelizmente ele também não conseguiu ver o filme pronto. Eu não poderia escrever sobre esse filme sem falar sobre o meu pai, e escrever aqui meu agradecimento à ele que tanta força me deu por essa idéia e me ajudou bastante a fazer esse filme. Meu alicerce. Que mesmo me deixando, me fez firme. 

Obrigada a Paulo César Saraceni que junto com Mário Carneiro dirigiu o “Arraial do Cabo” e que foi personagem do “Xaréu”, querido e imprescindível. Infelizmente agora já não está mais entre nós também, mas aqui minha gratidão.

Peço desculpas pela demora em divulgar o “Xaréu – Memórias do Arraial” para que todos possam ver. Sei que muitas pessoas estão esperando por isso há algum tempo. Então o link dele está aqui. Desejo aos moradores de Arraial do Cabo que o vejam com carinho, sei que alguns personagens entrevistados já não estão mais conosco também, então gostaria de dizer que esse registro foi feito com muito carinho e fica aqui uma grande homenagem à eles. Dentre muitas coisas da vida, o que mais importa é que somos feitos de memórias e de amor também. 

Patrícia Ramos Pinto

 

Making Off