Escravos, a cruz da menina e Zé dos Santos
HISTÓRIA DO PASSADO
POR REINALDO MARTINS FIALHO
Escravos, a cruz da menina e Zé dos Santos
Século XIX
O velhinho José dos Santos era casado com Dona Balosa, era “viúvo”. Era de muita saúde. O casal teve muitos filhos, e alguns eu conheci, todos pescadores. Eram eles: Antônio, Hermes, João, Moço, José, Joaquim e Dona Dina.
Seu José dos Santos, quando eu era criança, passava dentro do seu quintal. E ele já estava tão velhinho que andava curvado, mas ainda fazia redes, cordas torcidas para a pesca, cestos de cipós…
Eu nasci no ano de 1930, e gostava de ir ver ele link resmi judi slot online arrumar peixes e contar histórias para mim, e um garotinho que ele criava, Ademar. Seu José morava com sua filha já idosa, Dona Dina, que era salgadeira de peixes nos paióis e solteirona, juntamente com seu filho Moço e Zezé dos Santos “Filho”. De sua família tinha numerosos descendentes inclusive que moravam fora do município de Arraial do Cabo.
Ele contava que ouviu, e presenciou, muitas histórias no Arraial do Cabo. Disse que nos tempos passados vinham navios veleiros, e navios piratas que pegavam as pessoas, índios, homens, mulheres, crianças e levavam para outros pontos da terra, e até de seus países. Quando aqui chegavam, invadiam as casas, roubavam criações de animais, aves e outros mais.
O poeta Victorino Carriço, era genro de Fernando Barros Pessoa. Fernando morava em uma grande casa na rua Santa Cruz, no bairro Praia dos Anjos. Sua casa ficava em frente da Igreja de Nossa Sra. dos Remédios, e era conhecida como casa das águias, porque tinha na altura do telhado três grandes águias com asas abertas como se estivessem aquecendo ao sol. Tinha um grande terreno todo amurado com mais ou menos cem metros de comprimento, por uns quarenta metros de largura.
Carriço contava que a referida casa pertencia a uma família de estrangeiros, e eram ricos. De sua casa eles viam todos os movimentos marítimos na Enseada dos Anjos. Quando chegava qualquer navio na enseada eles guardavam seus valores, porque havia costume de saquearem. Um dia chegou um navio de piratas no porto, e o dono da casa chamou um de seus escravos, que trabalhava no serviço doméstico, e mandou que enterrasse o ouro que tinha em sua casa no quintal. O escravo foi levado pelos piratas, e o dono da casa não achou e nunca soube o local onde o escravo enterrou o ouro. Baseado nestas informações, o seu sogro Fernando Barros Pessoa, comprou tempos depois aquela casa.
Quando Vitorino Carriço casou com Zezé, filha de Fernando Barros, levou um filho e foi morar em uma casa do lado do sogro. Por duas vezes que deu uma chuva forte, seu filho Betinho, encontrou na água que corria, no mesmo terreno, uma libra esterlina, em ouro, e uma medalha.
Seu José dos Santos contou ainda que durante a guerra do Brasil com Paraguai chegou um navio aqui, e levavam brancos e negros amarrados para a guerra e levavam quase sempre os solteiros. Por isso quando chegava qualquer navio no porto os homens corriam, escondiam-se nos morros ou restingas. Contou ainda que nos tempos coloniais ele tinha parentes com uma fazenda no distrito de Araçá, no município atual Cabo Frio.
José dos Santos na época era jovem e quase todos os meses saía de Arraial do Cabo, passando pela Praia do Pontal em um cavalo e ia até a cidade de Cabo Frio. Não haviam ainda naquela época estradas de rodagem. Dalí ele seguia para o atual distrito de Araçá onde visitava seus parentes, e a tarde voltava para o Arraial do Cabo.
Em um certo dia ele foi visitar seus parentes, no Araçá. À tarde, eram mais ou menos dezesseis horas, ele voltava pela praia para Arraial do Cabo. Havia passado dos limites entre a cidade de Cabo Frio e o Arraial. Já estava entre a Barra Nova e a Praia do Pontal quando avistou dois navios veleiros que navegavam com as velas enfunadas pelos ventos, na direção da praia.
Ele ficou observando, quando viu que o primeiro ia encalhar ele ficou assustado. Esporou o cavalo e se escondeu dentro dos arbustos próximos da praia. Ele pensava ser um veleiro de piratas. Quando o veleiro abicou na praia, muitos negros pulavam na água e corriam para dentro do mato, e iam embrenhando-se na restinga. Jogaram também uma garota, mais veio uma onda e cobriu-a com espumas, eles procuram rapidamente, e ela não foi encontrada, morrendo afogada.
Os negros com a pressa em fugir para não serem recapturados abandonaram a menina.
Do lugar em que estava, José dos Santos tremia, porque receava que tivessem escravagistas ou piratas, e ele já sabia que os piratas maltratavam, matavam, ou prendiam pessoas amarradas pelo pescoço.
O outro veleiro que vinha atrás, ao ver aquele encalhado manobrou e tomou o rumo do Nordeste.
Quando tudo acalmou o senhor José dos Santos saiu galopando no cavalo do esconderijo em que estava, e rumou para Arraial do Cabo.
Ficou o veleiro na praia abandonado e a menina afogada não apareceu.
Havia se passado algum tempo e seu José foi visitar seus familiares no distrito de Araçá. No referido dia, ele encontrou trabalhando na fazenda de seus parentes muitos daqueles negros do navio veleiro que encalhou, e que ele não conhecia. Começou a conversar com eles. Disseram que tinham vindo naquele veleiro que encalhou na praia, que eles souberam ser Praia do Pontal. Foram negociados em Angola na África. Alguns vinham amarrados pelo pescoço, semi-despidos, rasgados, e até sem camisa. As mulheres com o busto nu, e seios de fora, à mostra.
O navio que vinha atrás deles, comboiava-nos. Ao se avistar a aproximação de terra com uma ilha na frente, um dos escravos que estava solto, soltou alguns deles sem alarme. Aproveitou o descuido do homem que tomava conta dos prisioneiros e foram soltando outros.
O tomador de conta dos escravos, usava um chicote de couro trançado, que terminava com cinco tiras de couro. No porão do navio era uma fedentina insuportável, o mau cheiro do suor dos negros, da urina, dos despojos, que ali mesmo defecavam, do calor. Tudo isso faziam na presença de homens, mulheres, e as vezes até crianças. A comida era quase nenhuma, para evitar que defecassem. A água também era racionada, para evitar que urinassem muito. Passavam até fome e sede. Nas viagens, chegavam a morrer 50% dos escravos. O calor era insuportável.
Ao se aproximar do morro e da ilha, que viemos saber ser o morro do Atalaia, e a Ilha do Farol de Arraial do Cabo, os que estavam desamarrados investiram contra o feitor, matando-o e jogando na água. Com a rebelião a bordo do navio uns foram soltando os outros, mataram a tripulação e jogaram no mar. Apoderaram-se do navio veleiro.
O navio que vinha atrás comboiando ao pressentirem a irregularidade a bordo do veleiro que vinha na frente, passou a persegui-lo. Não entramos na enseada porque ali certamente seríamos novamente capturados e punidos. “Era a Enseada dos Anjos”, na praia dos Anjos, no Arraial do Cabo. Procuramos encalhar numa praia destas, onde seria mais fácil fugir.
E foi assim que conseguimos chegar naquela praia, que o senhor chama Praia do Pontal. Corremos por dentro do mato e só no dia seguinte alguns chegaram nessa fazenda, onde estamos trabalhando.
Na hora de pular do veleiro uma menina morreu afogada, que não conseguimos encontrá-la.
O outro navio vendo a impossibilidade de deter a fuga dos escravos e salvar o veleiro que estava encalhado na praia, acossado por grandes ondas de mar, tomou o rumo NE.
Dias depois o corpo da menina foi encontrado por alguém, encalhado na praia. Foi puxada para cima do barranco, em lugar onde a maré não chegava, foi sepultada. Fizeram uma cruz de madeira tosca e colocaram na sepultura.
Haviam pessoas que quando passavam ali faziam orações. Quando alguém notava que a cruz estava velha, eles trocavam por outra nova.
Muita gente dizia que quando passavam ali a certas horas da noite, ou após o sol se esconder, ouvia-se o choro de uma criança, que perguntava: “Para onde eu vou? Cadê a minha mãe?”
No livro escrito em Cabo Frio com título “Cabo Frio Nossa Gente”, cita que este caso foi na cidade de Cabo Frio, esta história ocorreu no Arraial do Cabo, que na época fazia parte de Cabo Frio.
Reinaldo Martins Fialho
Reinaldo Martins Fialho – Acervo de Família
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