A lenda da cabocla

LIVRO ARRAIAL DO CABO –
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Por Wilnes Martins Pereira

A lenda da cabocla

A lua cheia tingia de prata o revolto mar que jogava suas ondas enraivecidas por sobre as alvas areias da Praia do Pontal. Um solitário mercador de peixes, com sua tropa de burros, fazia o trajeto de Cabo Frio para Arraial do Cabo. A forte brisa cobria-lhe o frágil corpo, e a noite slot bonus new member gelada cingia-lhe os pulmões, permitindo-lhe a tosse seca. Era meia noite. As aves noturnas não se atreviam sobrevoar aquela horrenda paisagem, e a procela, imutável, insinuava uma alucinação àquele desvalido mercador que, às duras penas, voltava arfante de uma penosa viagem de negócio.

De repente, os animais pararam e ficaram inquietos. O nativo estagnou-se, olhou em seu entorno e nada viu. Novamente, os animais se assustaram e perceberam algo de sobrenatural. Seus cabelos se eriçaram e sua espinha dorsal adormeceu. Algo ruim prenunciava alguma imagem ilusória naquele horrendo lugar. Subitamente, não muito distante de sua montaria, dentro de um manto alvo iluminado, surgiu uma índia formosa e muito jovem que, com vozeio arrastado, inquiria:

Para onde irei meu Deus?
De pele cor de jambo, rosto largo, olhos grandes e longos cabelos negros, ela flutuava por sobre as ondas em direção ao pescador. O homem se assustou e ficou paralisado. Seu coração acelerou e seu semblante modificou-se. É a mutação em decorrência do medo. Quando as nuvens cobriam a lua, a aparição se fosforejava e a tempestade mais se agitava; quando a lua se descortinava, o mar diminuía sua fúria, e a jovem índia se aproximava, e mais uma vez inquiria:
Para onde irei meu Deus?
A cabocla muito se atrevia em algumas sextas-feiras, normalmente em noites de lua, fazer suas aparições fantasmagóricas para os pobres viajantes que por ali passavam, e sempre com a mesma pergunta. Parecia que suplicava por oração.
Contam os nativos que em tempo remoto, uma tribo da nação Tamoyo habitava o nosso litoral. A aldeia era assistida por um jovem monge que auxiliava nos ensinamentos linguísticos e na doutrina da fé. Uma índia muito bela e jovem e de boa estética corporal apaixonou-se pelo sacerdote. O monge, sempre em companhia da cabocla, adentrava os grandes cordões arenosos à procura de plantas com propriedades medicinais, além de colher saborosos frutos silvestres, muito comuns em nossa restinga. Contam os habitantes antigos de Arraial do Cabo que esse era o modo pela qual os dois mantinham o idílio sem que fossem descobertos. E um dia o ato sexual se consumou. Toda a tribo condenou o fato – sacrilégio. Pelo ato condenável, os dois foram banidos da tribo e a linda índia amaldiçoa- da pelo Pagé.

Conta à lenda que após morte sua alma continuava vagando pela Praia do Pontal, de um canto a outro, e a aparição de fantasma se dava no local onde concebera seu pecado.
Às sextas-feiras, quando os trovões ribombavam e raios cintilavam no espaço, ela surgia – a Cabocla. Com semblante translúcido e voz arrastada, mais uma vez inquiria:
Para onde irei meu Deus?
O pobre pescador, diante de tenebrosa aparição, ecoou horrendos gritos de pavor que eram sufocados pelas ondas do mar e trovões que orquestravam aquela sinistra cena.
Conta à lenda, ter esse nativo amanhecido morto e totalmente desfigurado por caranguejos que até hoje habitam a bela e funesta Praia do Pontal.

Wilnes Martins Pereira