O naufrágio de Bengo e Manuel
Mais do que um enfrentamento poético, Cecílio
apresenta ao povo de Arraial do Cabo sua real sabedoria
no que tange à metodologia dos versos. Com um
excelente domínio na arte de versejar, sua característica,
se iguala aos grandes poetas cordelistas dos últimos
tempos, e seus versos lúdicos transpõem os limites da
sabedoria que só os gênios são capazes em produzi-los.
Hoje, seus poemas são transportados para o registro
impresso, de modo que o tempo não os destrua e fiquem
impregnados no templo imemorial da nossa cidade. Há
de convir que suas histórias narradas com riquezas de
detalhes são súplicas trovadorescas somente
encontradas nos grandes talentos humanos, como
ocorre na narrativa do desaparecimento de um pequeno
barco de pesca com dois tripulantes – BENGO E MANOEL
DE ZOLE.
Wilnes Martins Pereira
O naufrágio de Bengo e Manoel
A vinte e seis de setembro
Disso eu não estou esquecido
Chorava mãe por seu filho ·
E mulher por seu marido
Foi aqui no Arraial
Esse triste acontecido.
Às quatro horas da tarde
Saíram pra pescaria
A tarde estava medonha
Com uma grande ventania
A monção tá muito boa
Um para o outro dizia.
Saíram os dois apressados
Falando pelo caminho
Nós temos que comprar éter
Na casa de seu Nhozinho
Nós vamos para o francês
Ou pra ponta do focinho?
Dizia dessa maneira
Bengo a Manoel de Zole
O motor ta enguiçado
Mas você por isso olhe
Não gosto de trabalhar
Com homem que seja mole.
E assim fizeram a viagem
Antes do anoitecer
Não sei se levaram água
Ou se tinha o que comer
Não sabiam eles, coitados,
O que vinha acontecer.
E assim no dia seguinte
Foram os barcos procurá-los
Veio a traineira Arraial
Mas não podendo encontrá-los
Com três horas de viagem
Assim na história eu falo.
Telegrafaram pro Rio
Aos cuidados da Marinha
Vieram dois aviões
E seguiram aquela linha
Todo o mundo sabe disso
Ou será astúcia minha?
Debalde não encontraram
Foi uma viagem perdida
Nem sequer viram vestígio
Nem na vinda nem na ida
Então o povo aclamava:
Coitados, perderam a vida!
Foram encontrados dois remos
E o mastro do farol
Que vinham a mercê das águas
Isso já no por do sol
E também uma caixeta
Com linha, arame e anzol.
O seu primo-irmão Benoni
Sofrendo de reumatismo
Saiu de casa à carreira
Subiu em um grande abismo
A carreira Ihe fez bem
Suplanta o espiritismo.
Na tarde, um telegrama
Levado por seu Ari
Em sua caminhonete
Ajuntou-se o povo ali
Eu estava observando
E de onde eu estava vi.
No outro dia bem cedo
Eram grandes e pequenos
Todo mundo assistia
O programa da Casa Neno
Quem me deu essa notícia
Foi Guete de lngueno.
Foi encontrado na costa
A quarenta milhas afora
Na alțura de Saquarema
Próximo a Nossa Senhora
É quando passa um navio
Por milagre nessa hora.
Eles foram socorridos
Por um navio Italiano
Pelo nome Julio César
Que vinha no oceano
Fazia o rumo direto
Em busca do Vaticano.
Coitadas dessas famílias
Já tinham comprado luto
Para o seu povo vestir
Porém, não mandaram culto,
É um dever que nós temos
De pagar esse tributo.
Também tenho que falar
No seu Benjamim Quebrado
Quando veio o telegrama
Queria ser naufragado
Pra visitar a Itália
E de lá já vir casado.
O bote não tinha nome
Também não foi arrolado
Porque não tiveram tempo
Com dois meses de comprado
Foi pra Itália pagão
De lá veio batizado.
Se eu soubesse o nome dele
Dizia aqui no meu mapa
Tudo o quanto eu souber
Da minha mão não escapa
Trouxe um nome diferente
Dado pelo Santo Papa.
Fizeram uma boa lista
O pessoal assinou-se
Não tem tabela marcada
Qualquer quantia que fosse
Para fazer um festejo
Com churrasco e muito doce.
Lalá também foi pro Rio
Visitar os naufragados
Chegou lá falou com eles
Trouxe tudo confirmado
Trazendo boa notícia
Botou fogo adiantado.
E eles lá na Itália
Visitam o Papa de Roma
Vão contar os seus passados
Deixando o Papa sem soma
E quando chegar ao Brasil
Vão falar novo idioma.
Vou terminar a história
De tudo que apreciei
Esse pequeno apanhado
Que no repertório achei
Peço desculpa aos leitores
Se alguma coisa faltei.
Cecílio Barros Pessoa
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