Reis de boi

LIVRO CABISTEZAS
Por Meri Damasceno

Reis de boi

A comemoração do Reis de Boi se iniciava no dia seis de janeiro e estendia-se por todo o mês, aos sábados e domingos, retornando às seis horas do dia seguinte. Em Arraial do Cabo, o responsável pela brincadeira era Manoel Pesado. Porém, a pesquisa realizada por Amélia Zaluar constatou que:

Segundo o Sr. Jacó Farias Neves (Cocó), já falecido, o folguedo foi
trazido para o Arraial do Cabo por um cabista conhecido por Amaro –
que negociava peixe e viajava muito para Slot Online , Rio Bonito e Engenho
da Pedra -, que foi o chefe da brincadeira até morrer. Passou a liderança
para Manoel Rodrigues, cujo apelido é Manoel Pesado.

Na época da entrevista a Amélia Zaluar, Dona Castorina, também falecida, contou que esta tradição havia sido trazida para o Arraial do Cabo pelos portugueses.

Seja qual for sua origem, o certo é que Manoel Pesado, quando chefe da brincadeira, confeccionava e enfeitava o boi, que era feito de cipó e tecido colorido. No dia seis de janeiro, quando tudo estava pronto, do alto do morro onde morava, Manoel Pesado usava um apito para convocar as pessoas a participarem da festa, iniciada sempre às 19 horas.

Era tradição no Dia de Reis que um morador combinasse com o chefe da folia, antecipadamente, que o Reis de Boi fosse à sua casa. Geralmente, quando o cortejo chega à residência, inicia-se um canto de louvação. Até esse momento, a casa encontra-se totalmente às escuras e fechada. O suspense faz alguém do grupo perguntar:

– Será que ele vai abrir?
O povo todo, que estava esperando, ficava na expectativa. Ao terminar a louvação, ouvia-se um apito, as luzes eram acesas, a porta era aberta e o grupo cantava o pedido de licença para os moradores.

Pedido de licença:
“Cantiga do Boi”
“Seu dono da casa queira dar licença
Pro meu boi dançar, ô mana na sua
Presença, chorai a sua presença, ai!
Licença, ai!
Pro meu boi dançar, ai licença, ai!
Pro meu boi dançar, ô mana
Na sua presença, ai! Chorai na sua
Presença, ai!”

O grupo do Reis de Boi é composto de:
• o boi, personagem principal;
• o carreiro, personagem que vai à frente do boi, com uma varinha na
mão conduzindo este, brincando e fazendo palhaçada;
Pai Mateus, que leva sempre na mão um bastão grande, de dois metros,
com um guizo na ponta, com o qual marca o ritmo no chão;
Pai João, que leva na mão uma varinha pequena e, como Pai Mateus,
usa máscara, um pano escondendo os cabelos e o chapéu;
• as catirinas, quase sempre em números de três, que são as
acompanhantes nas danças dos personagens. Em Arraial, as catirinas sempre
foram vividas por homens vestindo roupas de mulheres. Nos grupos mais
atuais, as mulheres fazem este papel;
• o velho e a velha, aquele faz palhaçadas e diz coisas engraçadas para
provocar o boi e a velha possui uma nádega enorme, feita por travesseiros:
Os dois dançam na frente do boi para provocá-lo.
Após o pedido e com a autorização dos moradores, o Reis de Boi entrava na casa, menos o boi, que ficava escondido do lado de fora. Dentro da residência, fazia-se uma roda e os componentes começam a cantar e sapatear, arrastando os pés, como no fado.

As letras dessas músicas eram geralmente versos musicalizados e relacionados com algum fato ocorrido no lugar. A certa altura da roda, o carreteiro dava um apito e o boi entrava, o que provocava uma correria desesperada. O boi ficava no meio da roda investindo contra o grupo, que cantava:

“Carreiro sentido, esse boi te mata ai!
Chama Catirina, ô mana que
não seja ingrata, ai! Chorai, que
não seja ingrata, ai!
Oh! Velha, sentido
Que este boi te mata, ai!
Vai matar o boi
Que fugiu pro mato
Chorai, que fugiu pro mato, ai!
Pai Mateus, sentido
Que este boi te mata, ai!
Chama Catirina, ô mana
Que não seja ingrata
Chorai, que não seja ingrata ai!
Meu velho, cuidado
Que esse boi te mata, ai!
Chama tua Velha, ô mana
Que não seja ingrata
Chorai, que não seja ingrata, ai!”

O boi vai para cima do carreiro, que mete a vara na cabeça dele. Fazem uma nova roda e todos dançam com o boi no meio, dançando e girando ao som do canto “Peixinhos do Mar” ou, como falam os cabistas mais antigos,”Pixinhos”.

“Quem me ensinou a nadar
Quem me ensinou a nadar
Foi o Pixinho do mar
Não foi, não foi olerê
Não foi, o pixinho do mar
Tem um bem que me dá doce
Outro que me dá dinheiro
Esse me dá pancada
é meu amor verdadeiro
Não foi, não foi olerê
Não foi o pixinho do mar
Tomara eu te ver morto
Os urubus te comendo
Os ossos no tabuleiro
Pelas ruas se vendendo
Não foi, não foi olerê
Não foi o pixinho do mar
Oi, cadê a gente
Que nesta rua morava
Era mil divertimentos
Quando por aqui passava
Não foi, não foi olerê
Não foi o pixinho do mar.”

O velho e a velha correm para a porta e fingem pegar algo no chão; neste momento, o boi corre e lhes dá uma chifrada nas nádegas, jogando-os para fora da casa e iniciando ali vários ataques à multidão. Enquanto isso, o carreiro aparece com sua varinha para controlar o boi e não deixar que ele fira mais ninguém. O boi sai pela rua e a comunidade o acompanha.

Depois que o boi se retira da sala, o apito soa e começa a chula: dança de par solto, o homem sapateando e a mulher balançando e arrastando os pés. Nesta dança, todo grupo participa. No final, o lanche é servido.

“Música de Fado” (cantada no Reis de Boi)

“Acompanhada de Rochedo
Viemos aqui pra brincar
Tava com Duca Pavão
Na boca dele escondido
Existia dois cavalos
Todos dois de opinião
Um era de Antonio Miguel
E outro de Duca Pavão
Apostaram seu dinheiro
Pra ver dos dois quem ganhava
O baio correu пa frente
Aí que o povo gritava
Тem aqui tem d’acolá
Seu dinheiro foi sumindo
Tava com Duca Pavão
Na boca dele escondido.”

Meri Damasceno